Auditoria em Oftalmologia: DMRI desfechos, qualidade de vida e racionalização dos custos | Dr. Reinaldo Flávio da Costa Ramalho

Dr. Reinaldo Flávio da Costa Ramalho | 08 Jan 2024

Auditoria em Oftalmologia: DMRI desfechos, qualidade de vida e racionalização dos custos

 

O objetivo deste texto é auxiliar médicos e gestores nas tomadas de decisão em relação ao tratamento da degeneração macular relacionada à idade (DMRI) com anti-VEGF. A complexidade das decisões decorre do alto custo do tratamento, do fato de se tratar de uma doença que pode evoluir para a cegueira e das dificuldades trazidas pelos esquemas de tratamento. Buscamos mostrar  aspectos práticos  importantes  do tratamento,  levando  em conta os desfechos clínicos, a utilização de recursos e a sobrecarga para os pacientes, com base nas melhores evidências.

 

A   degeneração  macular   relacionada   à  idade  (DMRI)  é uma  doença  degenerativa que  acomete  a região  central  da retina  (mácula),  responsável pela  visão de cores e detalhes, cuja progressão leva à perda de visão central. Pode ser classificada como seca, responsável  pela  maior parte  dos  casos (85%-90%),  ou exsudativa, também denominada neovascular ou úmida, correspondendo  a  10%-15% do  total  de casos. A DMRI exsudativa caracteriza-se pelo crescimento  de novos  vasos  sanguíneos a  partir  de vasos  preexistentes,  em um  processo  denominado angiogênese  ou  neovascularização.  Nesse processo,  os  fatores endoteliais de crescimento vascular (VEGF, do inglês vascular endothelial growth factors) são os fatores mais importantes para o estímulo à neovascularização retiniana e coroidiana; os novos vasos, por sua vez, são frágeis e mais permeáveis, levando a edemas, hemorragias e, em estágios avançados, fibrose. Embora a DMRI exsudativa seja menos comum, a evolução  para  a  cegueira  é muito  mais  frequente nesta  forma da doença. A  perda da  acuidade visual está diretamente associada à perda da qualidade de vida de maneira tão intensa quanto um AVC catastrófico ou um câncer avançado, além de  aumentar o  risco  de quedas,  fraturas,  declínio cognitivo e depressão.

 

A  prevalência e  incidência  de todas  as  formas de DMRI aumentam com a idade, dobrando a cada década após os 60 anos, sendo a principal causa de cegueira nos  países  desenvolvidos. No  Brasil, há  poucos  estudos epidemiológicos,  sendo  que a  prevalência  variou entre  15%  e 30%  em  populações a  partir  de 55  anos  de idade,  de  acordo com  dois  diferentes estudos  transversais;  entretanto, por  serem estudos de populações e áreas geográficas específicas, é preciso cautela ao se extrapolar os dados para a população geral. Uma meta-análise estimou que a  prevalência de  DMRI  no Brasil  é  de 2,17%  em pessoas de 70 a 79 anos e de 10,33% em pessoas com idade ≥ 80 anos. O aumento da população de idosos no país certamente promoverá o incremento do número  de  pessoas acometidas  pela  DMRI. As  projeções  indicam que  a  população acima  de  65 anos no Brasil, estimada em 9,83% do total em 2020, constituirá 11,57% do total em 2025 e 13,54% em 2030.

 

Os  anti-VEGF revolucionaram  o  tratamento da  DMRI  exsudativa. Antes  da  terapia anti-VEGF,  a  fotocoagulação  retiniana e  a  terapia fotodinâmica  eram as únicas opções de tratamento. A fotocoagulação, porém, era aplicável apenas a uma pequena parcela dos pacientes e tinha alto risco de formação de cicatriz com dano permanente na camada de fotorreceptores, enquanto a terapia fotodinâmica não proporcionava ganho de acuidade visual; ambas as terapias foram praticamente abandonadas no manejo da DMRI exsudativa,  sendo  substituídas pela  terapia  anti-VEGF como modalidade terapêutica de primeira linha da DMRI exsudativa em todas as diretrizes de  tratamento.

 

Os medicamentos  desenvolvidos com o propósito de inibir a  neoangiogênese (antiangiogênicos) atualmente  aprovados  para o  tratamento  da DMRI  exsudativa  são o ranibizumabe,  aflibercepte, brolucizumabe e faricimabe.

 

Sendo uma doença que requer um tratamento de alto custo, torna-se um desafio  decidir de  maneira  clinicamente responsável  e  custo-efetiva a  longo  prazo. Além de  afetar  de modo  devastador  a qualidade  de  vida, os  custos  médicos diretos  anuais  em pessoas cegas são quase o dobro em comparação com pessoas com visão preservada. De acordo com uma revisão sistemática realizada por Köberlein J, Beifus K e Schaffert C, com dados  de  diversos países,  os  custos médicos  diretos  anuais variam  entre  US$ 12.175 e US$14.029 em pessoas com perda moderada da  acuidade visual  e  entre US$14.882  a  US$24.180 em  pessoas  cegas. Os componentes dos  custos  médicos diretos incluem internações, serviços médicos, medicamentos e procedimentos diagnósticos. Outro componente com grande impacto nos custos diretos e indiretos é a necessidade de  cuidadores, que  podem ser informais ou contratados, considerando que a necessidade de dedicação de horas do cuidador aumenta com a progressão da perda visual.

 

A  terapia anti-VEGF  é  aplicada por  meio  de injeções intravítreas no olho acometido. Os principais desfechos  obtidos com  o  tratamento anti-VEGF  são  o ganho  de  acuidade visual,  sua  manutenção a  longo  prazo e  a  diminuição de  fluido  no exame  de  tomografia de coerência óptica (OCT).

 

As  injeções de  anti-VEGF  foram inicialmente  utilizadas em regime de doses fixas, com periodicidade  mensal.

 

O regime de tratamento com doses fixas mensais de ranibizumabe, entretanto, mostrou-se impraticável na vida real.

 

O regime PRN, por outro lado, é um esquema de tratamento reativo,  que consiste  na  injeção do  medicamento  de acordo  com  a necessidade,  definida  pela presença  de  sinais de  atividade  de doença,  como  o aumento  da  espessura retiniana,  presença  de líquido  sub  ou intrarretiniano,  avaliados  pela OCT,  e  perda visual.  Entretanto,  o regime  PRN  apresenta algumas  limitações: embora o número de injeções seja menor em comparação ao  regime  de doses  fixas,  o número  de  consultas continua  muito  frequente, devido  à  necessidade de monitoração. A realização de consultas separadas  para  monitoração e  injeções  acaba sendo  um motivo adicional para a não adesão do paciente ao tratamento,  tanto  por causa  dos  custos relacionados  ao  deslocamento como  pelo  tempo gasto  nas  consultas, que requerem a presença de um cuidador ou acompanhante.

 

Outro ponto a ser considerado é que os pacientes aderem  mais ao  tratamento  se perceberem  resultados positivos. Para que regime PRN tenha a mesma efetividade dos regimes de dose fixa é necessário que a monitoração seja intensa, 

 

Por outro lado, “Tratar e estender” (T&E) é um regime proativo, flexível, que visa otimizar o número de injeções e de consultas, sem supertratar ou sub-tratar  o  paciente, mantendo  o  ganho obtido  com  o tratamento inicial. Neste regime,  o  paciente é  tratado  em todas  as  consultas, com o aumento do intervalo entre as mesmas, caso a doença esteja estável. Este ajuste do intervalo  é de,  no  mínimo, 2  semanas.  Caso a  doença  retorne à atividade, volta-se ao intervalo anterior. Destaca-se que o regime T&E é aplicável a qualquer medicamento antiangiogênico. Entretanto, trata-se de um regime ajustado à  resposta do  paciente  ao tratamento  e,  portanto, a  farmacocinética  da droga  e  seu tempo  de  atividade biológica  (tempo  de inibição  do  VEGF) podem  influenciar nos intervalos de extensão e consequentemente, no número de doses necessárias ao longo do tempo.

 

Podemos  concluir que  o  regime T&E  permite  estender os  períodos  de aplicações  de antiangiogênicos  evitando  o tratamento excessivo dos esquemas de doses fixas e o subtratamento, ambos causadores de desperdício de recursos. O regime T&E permite previsibilidade do  uso  de recursos  medicamentosos  e do  monitoramento,  além de  possibilitar  redução do  número  de consultas  e  e a consequente sobrecarga. 

 

Diagnosticar  e tratar  precocemente  de maneira  correta melhora os desfechos clínicos, de qualidade de vida  e  reduz o  risco  de complicações  que  poderiam requerer  outras  intervenções de alto custo, além de reduzir os custos intangíveis associados à perda da visão.

 

Dr. Reinaldo Flávio da Costa Ramalho
CRM 46829-RS
OFTALMOLOGIA - RQE Nº 35384

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