Auditoria em Oftalmologia: DMRI desfechos, qualidade de vida e racionalização dos custos
O objetivo deste texto é auxiliar médicos e gestores nas tomadas de decisão em relação ao tratamento da degeneração macular relacionada à idade (DMRI) com anti-VEGF. A complexidade das decisões decorre do alto custo do tratamento, do fato de se tratar de uma doença que pode evoluir para a cegueira e das dificuldades trazidas pelos esquemas de tratamento. Buscamos mostrar aspectos práticos importantes do tratamento, levando em conta os desfechos clínicos, a utilização de recursos e a sobrecarga para os pacientes, com base nas melhores evidências.
A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é uma doença degenerativa que acomete a região central da retina (mácula), responsável pela visão de cores e detalhes, cuja progressão leva à perda de visão central. Pode ser classificada como seca, responsável pela maior parte dos casos (85%-90%), ou exsudativa, também denominada neovascular ou úmida, correspondendo a 10%-15% do total de casos. A DMRI exsudativa caracteriza-se pelo crescimento de novos vasos sanguíneos a partir de vasos preexistentes, em um processo denominado angiogênese ou neovascularização. Nesse processo, os fatores endoteliais de crescimento vascular (VEGF, do inglês vascular endothelial growth factors) são os fatores mais importantes para o estímulo à neovascularização retiniana e coroidiana; os novos vasos, por sua vez, são frágeis e mais permeáveis, levando a edemas, hemorragias e, em estágios avançados, fibrose. Embora a DMRI exsudativa seja menos comum, a evolução para a cegueira é muito mais frequente nesta forma da doença. A perda da acuidade visual está diretamente associada à perda da qualidade de vida de maneira tão intensa quanto um AVC catastrófico ou um câncer avançado, além de aumentar o risco de quedas, fraturas, declínio cognitivo e depressão.
A prevalência e incidência de todas as formas de DMRI aumentam com a idade, dobrando a cada década após os 60 anos, sendo a principal causa de cegueira nos países desenvolvidos. No Brasil, há poucos estudos epidemiológicos, sendo que a prevalência variou entre 15% e 30% em populações a partir de 55 anos de idade, de acordo com dois diferentes estudos transversais; entretanto, por serem estudos de populações e áreas geográficas específicas, é preciso cautela ao se extrapolar os dados para a população geral. Uma meta-análise estimou que a prevalência de DMRI no Brasil é de 2,17% em pessoas de 70 a 79 anos e de 10,33% em pessoas com idade ≥ 80 anos. O aumento da população de idosos no país certamente promoverá o incremento do número de pessoas acometidas pela DMRI. As projeções indicam que a população acima de 65 anos no Brasil, estimada em 9,83% do total em 2020, constituirá 11,57% do total em 2025 e 13,54% em 2030.
Os anti-VEGF revolucionaram o tratamento da DMRI exsudativa. Antes da terapia anti-VEGF, a fotocoagulação retiniana e a terapia fotodinâmica eram as únicas opções de tratamento. A fotocoagulação, porém, era aplicável apenas a uma pequena parcela dos pacientes e tinha alto risco de formação de cicatriz com dano permanente na camada de fotorreceptores, enquanto a terapia fotodinâmica não proporcionava ganho de acuidade visual; ambas as terapias foram praticamente abandonadas no manejo da DMRI exsudativa, sendo substituídas pela terapia anti-VEGF como modalidade terapêutica de primeira linha da DMRI exsudativa em todas as diretrizes de tratamento.
Os medicamentos desenvolvidos com o propósito de inibir a neoangiogênese (antiangiogênicos) atualmente aprovados para o tratamento da DMRI exsudativa são o ranibizumabe, aflibercepte, brolucizumabe e faricimabe.
Sendo uma doença que requer um tratamento de alto custo, torna-se um desafio decidir de maneira clinicamente responsável e custo-efetiva a longo prazo. Além de afetar de modo devastador a qualidade de vida, os custos médicos diretos anuais em pessoas cegas são quase o dobro em comparação com pessoas com visão preservada. De acordo com uma revisão sistemática realizada por Köberlein J, Beifus K e Schaffert C, com dados de diversos países, os custos médicos diretos anuais variam entre US$ 12.175 e US$14.029 em pessoas com perda moderada da acuidade visual e entre US$14.882 a US$24.180 em pessoas cegas. Os componentes dos custos médicos diretos incluem internações, serviços médicos, medicamentos e procedimentos diagnósticos. Outro componente com grande impacto nos custos diretos e indiretos é a necessidade de cuidadores, que podem ser informais ou contratados, considerando que a necessidade de dedicação de horas do cuidador aumenta com a progressão da perda visual.
A terapia anti-VEGF é aplicada por meio de injeções intravítreas no olho acometido. Os principais desfechos obtidos com o tratamento anti-VEGF são o ganho de acuidade visual, sua manutenção a longo prazo e a diminuição de fluido no exame de tomografia de coerência óptica (OCT).
As injeções de anti-VEGF foram inicialmente utilizadas em regime de doses fixas, com periodicidade mensal.
O regime de tratamento com doses fixas mensais de ranibizumabe, entretanto, mostrou-se impraticável na vida real.
O regime PRN, por outro lado, é um esquema de tratamento reativo, que consiste na injeção do medicamento de acordo com a necessidade, definida pela presença de sinais de atividade de doença, como o aumento da espessura retiniana, presença de líquido sub ou intrarretiniano, avaliados pela OCT, e perda visual. Entretanto, o regime PRN apresenta algumas limitações: embora o número de injeções seja menor em comparação ao regime de doses fixas, o número de consultas continua muito frequente, devido à necessidade de monitoração. A realização de consultas separadas para monitoração e injeções acaba sendo um motivo adicional para a não adesão do paciente ao tratamento, tanto por causa dos custos relacionados ao deslocamento como pelo tempo gasto nas consultas, que requerem a presença de um cuidador ou acompanhante.
Outro ponto a ser considerado é que os pacientes aderem mais ao tratamento se perceberem resultados positivos. Para que regime PRN tenha a mesma efetividade dos regimes de dose fixa é necessário que a monitoração seja intensa,
Por outro lado, “Tratar e estender” (T&E) é um regime proativo, flexível, que visa otimizar o número de injeções e de consultas, sem supertratar ou sub-tratar o paciente, mantendo o ganho obtido com o tratamento inicial. Neste regime, o paciente é tratado em todas as consultas, com o aumento do intervalo entre as mesmas, caso a doença esteja estável. Este ajuste do intervalo é de, no mínimo, 2 semanas. Caso a doença retorne à atividade, volta-se ao intervalo anterior. Destaca-se que o regime T&E é aplicável a qualquer medicamento antiangiogênico. Entretanto, trata-se de um regime ajustado à resposta do paciente ao tratamento e, portanto, a farmacocinética da droga e seu tempo de atividade biológica (tempo de inibição do VEGF) podem influenciar nos intervalos de extensão e consequentemente, no número de doses necessárias ao longo do tempo.
Podemos concluir que o regime T&E permite estender os períodos de aplicações de antiangiogênicos evitando o tratamento excessivo dos esquemas de doses fixas e o subtratamento, ambos causadores de desperdício de recursos. O regime T&E permite previsibilidade do uso de recursos medicamentosos e do monitoramento, além de possibilitar redução do número de consultas e e a consequente sobrecarga.
Diagnosticar e tratar precocemente de maneira correta melhora os desfechos clínicos, de qualidade de vida e reduz o risco de complicações que poderiam requerer outras intervenções de alto custo, além de reduzir os custos intangíveis associados à perda da visão.
Dr. Reinaldo Flávio da Costa Ramalho
CRM 46829-RS
OFTALMOLOGIA - RQE Nº 35384