A judicialização na saúde suplementar é um fato corriqueiro já há algum tempo. Não é de hoje que possuidores de planos de saúde, nas suas diversas modalidades, buscam no judiciário, obter tratamentos de saúde, por vezes considerados experimentais pelo Conselho Federal de Medicina ou não avaliados ou avaliados e não incorporados no Sistema Único de Saúde.
Estes tratamentos, por força de decisões judiciais, de procedimentos não previstos no Rol da ANS, geram iniquidades e distorcem o princípio do mutualismo que se aplica aos mencionados contratos, bem como ferem o princípio da igualdade, resultando em preços mais elevados para todos, pois a imposição “pelos juízos de coberturas que não têm amparo na legislação vigente geram, muitas vezes, externalidades positivas para os consumidores e negativas para as operadoras de planos privados de assistência à saúde, resultando em distorções nos custos dos planos e, principalmente, nos seus cálculos e estudos atuariais” (Silva, José Luiz Toro da. Revista de Direito da Saúde Suplementar, São Paulo, Quatier Latin, Ed. 1, 2017, p. 168).
Como exemplo, citamos o Transtorno do Espectro Autista. Na Unimed Fesp no período compreendido entre 2018 e 2022, a judicialização foi responsável por 18% dos custos nas diversas linhas de tratamento. As ações judiciais, entre outras motivos, delimitam a distância máxima entre as residências e os endereços dos prestadores, atendimento em prestadores que não fazem parte do produto registrado na ANS, além de terapias que não apresentam minimamente estudos que demonstrem eficácia, acurácia e efetividade. Também destaco como um dos motivos a quantidade de horas/dia, incompatíveis com a idade do paciente, muitas delas superando a carga horária de um trabalhador (08 horas/dia).
Um dos mecanismos previstos legalmente para mitigar situações como estas é o Núcleo de Apoio Técnico Judiciário ou NatJus.
O NatJus foi criado pela resolução do Conselho Nacional de Justiça, através da RN 238/2016, como uma plataforma desenvolvida para servir de banco de dados de pareceres e notas técnicas dos Natjus para os diversos tribunais brasileiros e tem a função de centralizar o trânsito de dados a respeito das solicitações e emissões desses pareceres, lastreados em Medicina Baseada em Evidências. A ferramenta auxilia os magistrados em suas decisões, dando fundamentos científicos para decidirem se concedem ou não determinados tratamentos ou medicamentos. Os Núcleos são compostos por médicos, enfermeiros e farmacêuticos e fornecem subsídios técnicos como o uso de medicamentos específicos, procedimentos, insumos, suplementos nutricionais e OPMEs (órteses, próteses e materiais especiais).
Estes Núcleos estão distribuídos pelas unidades da Federação e podem ser consultados na página do CNJ (https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude-3/e-natjus/).
Atividades operacionais dos Núcleos de Apoio ao Judiciário (NatJus:
- Nota Técnica (NT): é um documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos NatJus, o qual se propõe a responder, de modo preliminar, a uma questão clínica sobre os potenciais efeitos de uma tecnologia para uma condição de saúde vivenciada por um indivíduo. A NT é produzida sob demanda, ou seja, após a solicitação de um juiz como instrumento científico para auxílio da tomada de decisão judicial em um caso específico.
- Parecer Técnico-Científico (PTC): documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS), o qual se propõe a responder, de modo sumarizado e com base nas melhores evidências científicas disponíveis, a uma questão clínica sobre os potenciais efeitos (benefícios e riscos) de uma tecnologia para uma condição de saúde. O PTC pode resultar em: (a) conclusões suficientes para indicar e embasar cientificamente o uso de uma tecnologia; (b) conclusões suficientes para contraindicar seu uso; (c) apenas identificar que as evidências disponíveis são insuficientes (em termos de quantidade e/ou qualidade) e sugerir que recomendações, para seu uso ou não, não podem ser levantadas considerando o conhecimento atual.
De acordo com Schulze (Clenio Jair, Judicialização da saúde e novas possibilidades jurídicas, v. 1, n.1, 2022: Revista de Direto da Saúde Comparado), a magistratura brasileira possui dois relevantes instrumentos para a produção de prova: a nota técnica e o laudo pericial.
Cabe destacar as diferenças entre os dois mecanismos.
Características da nota técnica:
• é produzida pelo NatJus – Núcleo de Apoio Técnico;
• somente o juiz pode solicitar;
• não há intimação prévia das partes para apresentação de quesitos;
• geralmente é solicitada e apresentada no início do processo (para tutela de urgência);
• geralmente dispensa a produção de prova pericial;
• geralmente envolve questões sobre evidências em produtos e tecnologias em saúde;
• guarda similitude com a prova técnica simplificada (artigo 464, §§1º a 3º, do Código de Processo Civil).
Características do laudo pericial:
• é produzido por perito nomeado pelo magistrado responsável pelo processo;
• as partes podem apresentar rol de quesitos;
• geralmente é produzido no curso do processo, após a apresentação da resposta;
• geralmente é necessário em ações sobre erro médico e erro de diagnóstico;
• é permitida a nomeação de assistente técnico pelas partes do processo;
• está submetido ao regramento dos artigos 464 a 480 do Código de Processo Civil.
Em adicional, Schulze descreve que a manifestação do NatJus e a prova pericial são atos processuais distintos, com características próprias. Geralmente, uma dispensa o uso do outro, pois são autossuficientes.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) possui um Guia Técnico que pode ser acessado na página
https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/NatJus/NatJus/Default/GuiaTecnico.pdf?d=1675686145513, e que mostra o passo a passo para solicitação de NT ou PTC.
Também pode ser visto no link do próprio CNJ (https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/guia-solicitacao-atualizacao-notas-tecnicas-natjus-atua-lizacao8-11.pdf).
Ao acessar o portal através do link https://www.cnj.jus.br/e-natjus/ você deve marcar a modalidade – usuário externo – e escolher as opções Nota Técnica ou Parecer Técnico Científico. O documento solicitado, dependendo do tipo, pode ter a resposta em até 72 horas depois de solicitado. Também poderá ser solicitado em regime de plantão judicial de acordo com o ato normativo 0006577-52.2022.2.00.0000 elaborado pelo Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde.
Também recomendamos os seguintes portais:
•São Paulo: https://www.tjsp.jus.br/RHF/natjus
•Minas Gerais: https://bd.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/7735
•Brasília: https://www.tjdft.jus.br/informacoes/notas-laudos-e-pareceres/natjus-df
•TRF 4ª.região https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=3758
•Santa Catarina: https://www.jfsc.jus.br/novo_portal/conteudo/servicos_judiciais/listaNotasTecnicas.php
•Mato Grosso do Sul: https://www.tjms.jus.br/comitedasaude/pareceres-tecnicos
•Alagoas: https://www.tjal.jus.br/?pag=camara_tec_parec
•Ceará: https://www.tjce.jus.br/nota-tecnica/
Antes de decidir pela utilização do NatJus, sugiro uma consulta na página do governo federal que contém série de informações importantes para a auditoria inclusive relativos às incorporações de novas tecnologias no âmbito do SUS: https://www.gov.br/conitec/pt-br/centrais-de-conteudo/biblioteca-virtual.
Na Unimed Fesp, temos uma ferramenta (https://invenis.com.br/) que nos apresenta, com antecedência de alguns dias, processo (s) distribuído (s) nas diversas varas da justiça. Assim, temos tempo hábil para estruturar a linha de nossa defesa técnica. Além de toda estratégia jurídica que é definida entre as áreas de regulação e núcleo contencioso, buscamos NT ou PTC nos diversos portais, que contenham informações do nosso interesse, requerendo a análise do magistrado.
Temos tido sucesso com esta estratégia, como é possível verificar no despacho abaixo, no qual obtivemos efeito suspensivo em sede de agravo de instrumento, para solicitação de procedimento na área da cirurgia bucomaxilofacial no estado de Goiás.
Da mesma forma, abaixo apontamos laudo de Nota Técnica requerida pela Unimed Fesp, em juízo, que foi acatada pelo magistrado para fornecimento de medicamento Olaparibe:
Para respaldar as informações acima, transcrevo a conclusão da Recomendação de no. 92/2021 do Conselho Nacional de Justiça:
Ante o exposto, a presente Nota Técnica tem por objetivo:
a. Recomendar que no âmbito das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, sempre que possível, o sistema NatJus seja utilizado previamente à decisão judicial, na medida em que representa instrumento de auxílio técnico para os magistrados, com competência Nota Técnica NI CLISP 16/2022 (9019836) SEI 0015894-78.2022.4.03.8001 / pg. 7 para processar e julgar tais ações;
b. Alertar, estimular e divulgar aos magistrados a importância da utilização do sistema e-NatJus, por meio do site http://www.cnj.jus.br/e-natjus, criado nos termos do Provimento n° 84, de 14 de agosto de 2019, da Corregedoria Nacional de Justiça e da Recomendação n° 92, de 29 de margo de 2021, do Conselho Nacional de Justiça.
Finalizo informando que a judicialização em questões de saúde é direito adquirido por qualquer cidadão em território brasileiro. Não obstante, é mister informar que ela não garante desfecho positivo ao impetrante, pois a prescrição médica não é documento imutável, tendo em vista o avanço em passos largos da medicina nas últimas décadas, e no nível das Evidências Médicas em Saúde, o que é verdade hoje, amanhã poderá não ser e pior, poderá ser prejudicial ao paciente.
Mauro Couri
Superintendente Operacional
Unimed Fesp
São Paulo, 06 de fevereiro de 2023